(Rico Rozeira)
Tem coisas na vida da gente que mudam, não é verdade? E quando olhamos para nossos pontos de partida, surgem lembranças. Coisa boa é ter uma lembrança boa! Para ficar mais divertido vou contar essa história me transformando em personagem.
Kaká era um menino que, como sua mãe dizia, “adorava aparecer”. Bastava chegar uma visita em casa que ele se enfeitava todo e “fazia seu show”. Matava sua mãe de vergonha! Mas ele era feliz assim, gostava de fazer as pessoas também felizes.
Mas, sua mãe não era tão diferente. Enquanto Kaká ofertava entretenimento aos convidados, a mãe ia para cozinha e fazia um banquete. Era a forma dela fazer as pessoas felizes. E você já viu como era, e ainda é, o banquete de pobre? Não pode faltar arroz, feijão e farinha. E nossos convidados sempre apareciam na hora do almoço ou do jantar. Eu adorava quando chegavam com o refrigerante ou com a sobremesa.
Quando havia na refeição a “mistura”, hoje mais conhecida como proteína principal do prato (ou seja, a carne), o pedaço maior era dedicado às visitas. Nessas horas minha felicidade ia embora por alguns instantes, mas de barriga cheia tudo se resolvia. Se resolvia?
Chegou um tempo que era complicado encher a barriga de Kaká. Sua mãe retrucava com as pessoas: “a pança desse menino parece um buraco negro, nunca está satisfeito!”. De fato, não estava satisfeito de ser repreendido por sua essência; de ver tanta gente levando vantagens sem merecer; de viver próximo de pessoas cruéis que desprezavam os outros, que desperdiçavam comida, que eram preconceituosas, egoístas e ignorantes. Então, na tentativa de preencher esse espaço ele “fazia seus shows” e “comia tudo parecendo um saco sem fundo”. Não tinha feijão com arroz que fosse o bastante para preencher sua lacuna.
Uma vez a mãe desse menino, vendo-lhe repetir várias vezes, o sentou diante da mesa e despejou numa vasilha todo o arroz e feijão que tivera nas panelas. Por cima, colocou um ovo frito. Disse que só podia dali levantar quando lambesse o pote. No início, Kaká cavou às colheradas sorrindo, mas depois de um tempo as lágrimas caiam transformando sua refeição numa espécie de sopa. Chorava porquê? Não por fome de comida. Disso ele estava mais do que satisfeito, quase explodindo!
Kaká não queria só arroz e feijão, mas arroz, feijão e amor. Uai, sua mãe não lhe dava amor? Sim, mas do jeito dela. Do mesmo jeito que recebera de sua família.
O mundo muda, as pessoas mudam, os relacionamentos mudam. Até a intensão de promover amor muda. Só não muda o arroz e o feijão. Talvez o tempero acrescenta sabor, mas arroz é sempre arroz, feijão é sempre feijão, mãe é sempre mãe.
Felizmente aquela lembrança foi um ponto de partida para o que ele é hoje. O passado não pode servir de âncora, mas de motivação. São lembranças ruins? Não! Lembranças resignificadas. Não queiram ver como Kaká está hoje! Kaká é sempre Kaká e sua essência não muda.